– Um olhar desinteressado ao fazer poético dos jovens poetas angolanos
Nos últimos tempos, o surto editorial que tem movimentado a literatura angolana, faz sobressair novos escritores mais propriamente no género poético. Isto demonstra o interesse da juventude angolana por este género. É devido a sua aparente facilidade na concepção? Que assim não seja pois o labor poético exige um acurado trabalho oficinal. Afinal, poesia sendo criação, o que não é o amontoar de versos, é antes de mais o trabalho acurado da palavra que é “rio de espinho” e também “suor da caneta”. E Eugénio de Andrade diz que “Poeta é pastor do ser, sublinhando a interacção profunda entre o ser e a sua revelação no acto poético”.
Mas qual é a “razão do verso” dos jovens poetas como; Nok Nogueira, Chaahoo Avô Ngola Avô, Leila dos Anjos, Kardo Bestilo, Orlando Kinguzo, Denise Kangandala, Zé Ndunguilo, Carlos Pedro, Babata Marouf e Nguimba Ngola? Analisemos o discurso destes poetas que ora seleccionamos pelo simples critério de termos em posse seus livros, certamente outros há que vão publicando seus textos reunidos em antologias como “Dunas do Deserto” de poetas jovens do Namibe e ainda outros que publicam em forma de áudio, tal o nosso amigo poeta e declamador Fridolim Kamolâkamue.
Segundo o professor Jorge Macedo, “… parece problemático juntar a idade à circunstância de o escritor ter aparecido a público pela primeira vez pela grande razão de ser a qualidade, maturidade da obra que afirma o escritor, servindo o tempo mais para aquisição de experiência ou até de decadência, estagnação. Por vezes publica-se a melhor obra quando se é jovem, nunca mais se repetindo a proeza. O termo jovem transporta consigo a tentação de confundir juventude com iniciação…” ( in Poéticas na Literatura Angolana). Daí que entenda-se juventude neste texto, novos poetas, e isto ajuda-nos a colocarmo-nos no nosso lugar, nosso espaço literário sem no entanto minimizarmos a qualidade dos nossos escritos.
Posto o acima, ora vejamos Denise Kangandala, justificando a razão da sua poesia “Hoje escrevi no verso da mão o clamor do universo/pelo amor me perdi na razão da mente…// escrevi o anseio do verso para que o universo me chamasse/ pela graça e pelo abraço da esperança…” (Ascensão Cósmica-Nzila 2008, pg43). Para Orlando Kinguzo, “a poesia caminha de noite” é nesta hora que o jovem poeta constata que “a existência arrasta-me atrás da sorte/ agasalhando-me com poesia e luar/ nos instantes de angústia e solidão”. (A Arte de Sentir-Nzila 2007). Zé Ndunguilo, o poeta do Uíge, dialoga com o receptor da sua mensagem comunicando-lhe que “na hora do prelúdio/ a minha voz/ rarefaz os barcos/ de cartolinas de plástico//…penso irrigar o recinto/ do vulcão/ da minha palavra/ para somar victória/ a minha voz/ (entre) cruza/a fé do vento/ e nomeia com a boca/ a ondulação do (re) gato” (Prelúdio Sobre o Fogo dos Oceanos-Dilanel 2008, pg22).
O nosso confrade Carlos Pedro, irreverente no seu discurso, mostra-nos que “o poeta faz das viagens da vida/ pegadas do passado/ armazena nos versos da alma/ dilemas das épocas de outras luas/ são versos gerados pela caneta do quotidiano//… o poeta toca a guitarra do tempo/ eternizando a voz do dia/… de tempestade?/ de arco-íris?.../ não importa/deposita-os/ no kafocolo da nostalgia.” (Pegadas do Passado-UEA 2009, pg5). Nok Nogueira, vencedor do prémio literário António Jacinto 2004, canta um tempo africano em que a “nomenclatura do verso africano” nos revela a razão do verso, “meu verso tem discurso modesto na senda do pranto/ na gramática poética africana há uma memória proverbial/ um ritual sinfónico no sémen das gerações um sincero gesto de amor”. (Tempo Africano-UEA 2006, pg46). Em Babata Marouf, o poeta das Lundas, o verso é livre como andorinha que “vibrando nas cordas do ar livre/ na arquitectura dos sentidos”. (Livre Andorinha-BJL/LN 2009, pg11). Para Nguimba Ngola “é nganza nas curvas do verso/ em cada bolso uma opinião/ um senão” apesar do olhar desprezível de alguns “vigias” que “mastigam a semântica/ na erudição/ Mente esclarecida/ no lago das metáforas que pintam/ no cume da paz”. A “doce poesia” dos novos poetas é “Rosto opaco/ olhar subjectivo”, e como escrevemos “nego-me aos caprichos da tradição e da erudição/ sigo livremente nos trilhos da criação/ e costuro poemas de Paz e Amor e Consolo/ na marginal da vida” (Mátria-Arte Viva 2009, pg50,52).
Lemos em “Dicionário Breve de Termos Literários” de O.Paz e A.Moniz que “a riqueza de um texto literário procede justamente do equilíbrio que resulta da sabia articulação entre forma e conteúdo traduzindo-se numa sugestiva e criativa interpretação do homem e da sociedade, apartir dos aspectos regionais e nacionais de uma dada época e dos valores universais e metalinguisticos”. Podemos notar essa riqueza nos poetas acima analisados e destacamos a qualidade formal, isto é, os elementos fono-acústico da língua com que Carlos Pedro tece sua obra. Kardo Bestilo nos traz o verso como sendo um “Controverso” obra editada em 2007 pela Europress que na sua forma, em alguns lugares, se nos apresenta como “poema em prosa”, apropriando-nos da expressão de Baudelaire (pequenos poemas em prosa, 1869) que visa designar a composição poética, em razão da sua beleza formal (musicalidade, ritmo), ainda que despojada de métrica e rima.
A vasta maioria dos poetas acima carrega um grande sentido lírico exprimindo desta feita a onda afectiva, emocional e sentimental do sujeito emissor, tal podemos notar por exemplo em “Angels-UEA 2005” de Leila dos Anjos onde os “efeitos contraditórios e desconcertantes da paixão amorosa” sobressai, apesar de ser “Poesia Pura” como diria Edgar A. Poe que, visa paradoxalmente desnudar o texto poético de artifícios retóricos. No entanto, ela é “voz promissora” como nos garante Vasconcelos, AB, autor de “Tábua”. Os jovens poetas também tendem a ser satíricos desferindo com linguagem muitas vezes não lógica, reticente e sugestiva, crítica social com doseada ironia e sarcasmo. Assim entendo C.Avô Ngola Avô quando escreve “Cor da fome// não deixem/ que as muletas/ atinjam a/ cor da fome” e ainda “na minha garganta/ há uma camioneta/ com matriculas de / fome e ódio// na minha garganta/ há um prédio de cem/ andares de corpo anémico”
“A mensagem dum escritor, se não é claramente indicada, pode depreender-se dos temas mais recorrentes do seu texto, sobretudo no caso daqueles que … fazem uso mais abundante dos métodos surrealistas” A. Kambwa (2003, p138). É assim que captamos a mensagem codificada dos poetas que “hora cantando amor hora cantando desamor… lutando pela liberdade da vida” nos escrevem;
“Sonho desnorteado na insónia das areias sonolentas”, “aqui trago as mágoas ironia do sorriso na embriaguez da alma” “oh!.. deus dos homens que não entendo jamais o sol acordará”. Carlos Pedro com “palavras molhadas” dando voz à “pobres flores” “com caras de ruas anémicas/ já não sonham a coroa da glória”. Zé Ndunguilo levanta ainda o “lamento” e questiona “por que razão não/ moldar o astro esquivo no deserto/ da miséria” e ele avisa “não castrem a semente/ da promessa/ que fiz ao sol/ sobre a minha (des) memória/ amarelada de cor discriminada”. Na verdade a razão dos versos dos novos poetas continua sendo “um espelho dos anseios, esperanças, temores, sonhos, que se debatem na alma juvenil” daí que, Nguimba Ngola vislumbra “nos caminhos surreais da alma” “uma esperança” e “o sorriso do mendigo reluz na praça pública/ beijando sonhos de um céu transparente/ que resolva “os problemas do povo”” .
Assim sendo, caros confrades e leitores, ainda há “a necessidade e urgência de os escritores se organizarem colectivamente para prosseguirem nesta longa luta do nosso povo para a conquista de um futuro digno, liberto de todas as formas de alienação, exploração e dependência, numa sociedade democrática e progressista” (Carlos Ervedosa – Roteiro da Literatura Angolana-UEA).
Nguimba Ngola
Mulemba waxa Ngola, 18-19 de Outubro de 2009. 6:57´.