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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Conversa com Waldemar Bastos


Angola ainda é a sua namorada

Com 40 anos de carreira Waldemar Bastos falou com o Factual sobre o seu percurso profissional, passando por alguns dos momentos mais marcantes da sua vida não esquecendo os instantes difíceis e os mais jubilosos.


Rita Pablo

Numa conversa amena num dos grandes hotéis da cidade o Factual encontrou-se com o músico algumas horas antes do concerto no cine tropical, onde Waldemar Bastos comemorou os seus 40 anos de carreira.

Nasceu em 1954 na fronteira entre Angola e o Congo e cedo foi para Cabinda com os seus pais. Aos oito anos o músico, de uma forma prematura, começou a dar os seus primeiros passos cantando e tocando. Em casa sempre foi apoiado, aliás Waldemar recorda seus pais de uma forma saudosa pois afirma que estes “nunca me castraram, antes pelo o contrário apoiaram-me e naquela altura ter um filho músico não era fácil”.

Depois de ter estado em Cabinda foi para o Huambo onde ficou até cerca dos 18 anos, lá estudou e, como não poderia deixar de ser, não deixou a música. Cantou, tocou e popularizou-se nesta cidade do sul. No entanto, foi preso pela PIDE e lá, apesar do sofrimento e das pressões conheceu o valor da humanidade. “A mulher do carcereiro às escondidas dele conversava comigo. Casou enganada a achar que ele era guarda dos Caminhos-de-ferro de Benguela e, quando soube o que ele era e que batia em nós, mostrou coragem e um sentimento humano ao falar comigo ”.

Quando parte para Luanda longe dos pais e irmãos e sem comunicação com eles, sente-se perdido. No entanto, não desiste e continua a furar o mundo da música. Mas Luanda tornou-se para este cantor demasiado pequena. “Aqui tinha havido guerra, por isso havia outras questões primárias a serem tomadas em conta antes de se apostar na música, é normal”.

Vai para Portugal em 1982, viaja depois para Alemanha e logo de seguida o “nómada cantor” parte para o Brasil onde conheceu alguns músicos entre os quais, Chico Buarque, João do Vale, Elba Ramalho, DJAVAN e Clara Nunes. Com estes cantores integra o Kalunga Projecto. Ainda no Brasil a editora Emi-Odeon convida-o a gravar o seu primeiro álbum “Estamos Juntos”. A partir daí a sua carreira tornou-se emergente. Em Lisboa grava o seu segundo álbum “Angola Minha Namorada” em 1990, e “Pitanga Madura” em 1992. Em Nova Iorque no ano de 1997, a convite de David Byrne da Luaka Bop, Waldemar Bastos grava “Pretaluz” com Arto Lindsay. O “Renascence” foi o seu último álbum onde a mistura dos ritmos africanos e europeus ecoa. Waldemar adiantou que está a trabalhar num álbum “ Estou a fazer um trabalho de músicas de Angola tradicionais produzidas a um nível erudito.” E, para além deste novo trabalho, o artista deixou trespassar que uma obra biográfica também está a ser escrita, mas ainda sem data de lançamento.

Quanto aos momentos que lhe marcaram, o músico não hesita em realçar a homenagem e reconhecimento que os EUA tiveram ao atribuírem-lhe o Award for the Emerging Artist of the Year, o facto de ser um dos fundadores da união dos artistas e compositores angolanos e relembra também o prémio Capitães de Abril.

O seu objectivo será regressar ao seu país e apenas aguarda por reunir condições para tal, afinal Angola continua a ser a namorada de Waldemar Bastos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Conversa com Matias Damásio

Rita Pablo

“Comecei a estudar uma hora e a dedicar-me à música 5”

Matias Damásio nasceu em Benguela em 1982 num bairro chamado “Lixeira”, nome esse que inspirou o seu novo álbum. Enquanto pequeno viveu com algumas dificuldades, mas conseguiu vingar no mundo da música.
O Factual falou com o cantor que já arrebatou quase todos os prémios e deixou marcas nos corações dos angolanos.

“Passei dificuldades, como quase todas as famílias angolanas, e em 1992 por causa da guerra tive de sair de Benguela e vir para Luanda como refugiado” recorda o artista lamentando os momentos trágicos.

Ainda na sua terra Natal e em tenra idade participou em concursos religiosos, coisas pequenas mas que o fizeram desabrochar para o mundo da música. Quando chegou a Luanda, Matias dedicou-se aos estudos. “Sempre fui bom aluno até que a música falou mais alto. Comecei a estudar uma hora e a dedicar-me à música 5”. Assim, conhece no bairro onde vivia, Bom Rebento” os Guitimos, um grupo musical composto por Timóteo e Guito que o ensinaram a tocar guitarra, a partir daí nunca mais largou os ritmos.

Apesar da família ser muito ligada não via com bons olhos a carreira musical que Damásio estava a querer seguir, no entanto, o seu irmão mais novo tinha uma ideia diferente. “O meu irmão, Jaime Damásio, viu o anúncio para o concurso das estrelas ao palco e convenceu-me a inscrever. Chamaram-me e eu nem sabia bem para o que era, nem tinha preparado música nenhuma para lá ir. Foi durante a viagem, até ao local dos castings, que ouvi na rádio uma música do Belo. Cheguei lá e cantei. Enganei-me muitas vezes, mas fiquei, lá acharam que tinha talento”. Matias recorda que quando apareceu pela primeira vez na TV não disse nada a ninguém apenas pediu para o seu pai assistir o programa. Quando este o viu a cantar e a imitar o Belo, começou então a acreditar no seu potencial. “ Depois disso o meu pai ficou muito emocionado e começou a acreditar. Ele é muito importante para mim e quando me deu um abraço de apoio foi ali que senti que tinha força para avançar”. Apesar de ter ficado nos 12 finalistas Matias Damásio já estava satisfeito com o que a sorte lhe tinha reservado. Contudo, o seu percurso tinha apenas começado.

Participou ao lado da Banda Maravilha e João Alexandre no concurso “Domingão Coca-cola”, onde obteve o segundo lugar.

Em 2003 vence a Gala à Sexta-Feira da Televisão Pública de Angola (TPA), com a música “mãe querida” que curiosamente, tal como lembra o cantor, “eu quando me inscrevi não fui classificado fiquei como suplente, mas três dias antes ligaram-me para eu substituir um outro e ganhei o concurso”. Depois venceu o festival da canção de Luanda e o Variante e a empresa Chevron Texaco patrocina-lhe o seu primeiro álbum “Vitória”, em 2005. Que contou com a participação de Eduardo Paím e que para o artista foi uma grande honra que ainda hoje agradece. A partir daí conquistou Angola e além fronteiras. Fez vários concertos, esteve em Portugal, Egipto, Espanha, Londres e Moçambique e aqui Damásio contou uma história ao Factual: “sai do aeroporto estava lá uma série de pessoas à minha espera, mas eu nem reparei que eram para mim teve de ser o meu empresário a chamar-me a atenção. Eu nem sabia que conheciam tanto o meu álbum nem se quer que tinha fans”.

No Palco do Cine Atlântico, em Luanda, venceu o 17º Top dos Mais Queridos, interpretando a canção "Porquê".

Neste concurso organizado anualmente pela Rádio Nacional de Angola (RNA), sagraram-se em segundo e terceiros lugares o cantor Maya Cool, com a sua Canção "Te Juro" e o agrupamento musical Tunjila Tua Jokota, com o tema "Mana Mena". Este concurso consagrou este jovem cantor e atirou-o para as luzes da ribalta. Se alguma dúvida restava, agora o povo angolano tinha votado de uma forma arrebatadora demonstrando quem era o seu cantor favorito. Foi no ano passado no dia 5 de Outubro e agora, no mesmo dia, Damásio lança o seu novo álbum “Amor festa na lixeira”, gravado em Portugal. Coincidência ou não o certo é que o artista tem já a agenda preenchida. Neste fim-de-semana vai tocar no FestiSumbe.

Apesar de Damásio confessar que nem sabe como tem tanta sorte e ainda nem acredita bem no que se esta a passar com ele, não deixa de dizer aos jovens artistas “Acreditem é possível. Onde está o vosso coração está a vossa riqueza”.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Entrevista com Adriano Botelho de Vasconcelos


Cultura

“Várias correntes estéticas fortalecem a nossa literatura”
Rita Pablo

No momento em que a Literatura e educação nas camadas mais jovens é tema de debate e preocupação de alguns programas políticos, o Factual foi até à União de escritores angolanos falar com Adriano Vasconcelos. Na entrevista ao Secretário ficamos a conhecer uma organização que é o prelúdio da arte literária angolana.

1 - Gostaria que me falasse um pouco do historial da União de Escritores Angolanos.
A UEA foi fundada no ano de 1975, 10 de Dezembro. É a associação mais antiga do país e hoje, devido aos imperativos modernos de gestão das contas públicas, há cinco anos que é uma instituição de utilidade pública. Temos inscrito cerca de 125 membros. No domínio social destaco a «política de saúde» que tem atenuado os problemas existenciais de muitos dos seus membros

2- Quais são os apoios e de que forma subsiste a União?
A UEA tem uma visão corporativa muito forte e esse princípio tem permitido a existência de uma parceria com o governo e a Sonangol Holding, laços que permitem que a política editorial tenha os devidos incentivos à edição de inéditos dos seus membros e ainda de títulos de potenciais escritores.

3- Principais actividades?
A principal actividade da UEA é a sua política editorial já que tem publicado o maior número de inéditos dos cerca de 125 membros filiados. É ainda a UEA que torna os seus conteúdos conhecidos mundialmente através do seu site (www.uea-angola.org) pois deixamos de ser uma instituição info-excluída. Estamos na aldeia global com conteúdos antológicos nos domínios da poesia e ficção, temos o maior número de entrevistas e ensaios à volta dos livros publicados. Os centros de estudo das faculdades de letras do Brasil e Portugal já têm o site como grande base de dados e pesquisa. Em termos físicos, temos uma biblioteca visitada por mais de 80 mil alunos por ano e esse fenómeno significa que os jovens querem mais equipamentos multimodais e posso afirmar que a cultura do silêncio começa a fazer parte das suas escolhas de ocupação dos tempos livres.

5- Como vê a escrita no contexto social actual?
A nossa escrita não tem ficado estagnada ou simplesmente refazendo estilos antigos. Existem sinais de ruptura estética. Várias correntes estéticas fortalecem a nossa literatura. Em termos temáticos a sua diversidade resulta da solidez da nossa democracia pois deixamos de usar o estilo hermético ou a auto-censura para retratarmos algo que socialmente possa estar distante dos princípios e ética do escritor. A dimensão da utopia de hoje não é menos apaixonante que a utopia de ontem. A democracia e os traços da sua pluralidade têm potenciado os nossos fazeres poéticos e ficcionais e quantas vezes os escritores não buscam no meio social os personagens até para que através desse exercício de sátira se possa conhecer os «rostos» da nossa comunidade. O romance «Erros que matam, da escritora Sónia Gomes, tem como tema a sida, uma peça dramática, mas é a sua beleza de escrita, o seu lápis leve, solto e maduro que grava o tema no nosso imaginário como uma pandemia que deve ser vigiado pela alteração dos nossos hábitos. Quem conhecia o grande poder mágico da escrita de Sónia Gomes?

6 - Acha que os jovens estão mais próximos da literatura ou cada vez mais de costas?
Muitos são os jovens que, nascidos em Angola ou noutros continentes, estão diante de muitas ofertas de produtos culturais profusamente distribuídos através dos meios digitais. As suas escolhas são condicionadas pelo poder do fascínio, das aguarelas fortes e ritmo de vida tão vertiginoso e essas escolhas, infelizmente, tornam mais frágeis as suas dimensões espirituais porque a essência cultural é quase vazia de valores. Naturalmente, acreditam que a cultura resultante desses modismos são impressionantes e os seus verbos fazem parte dos seus códigos sociais, sempre fechados até como forma de ruptura. Toda a cultura que resulte de uma maior exigência, destaco o caso da leitura que obriga a um maior tempo de silêncio, de maturação no processo de criação e de uma viagem mais introspectiva – mesmo quando são protagonistas desse fazer cultural –, é motivo de segunda escolha. O desafio da sociedade de hoje terá que ter como ponto nuclear de viragem a criação das redes de equipamentos multimodais, espaços onde os jovens poderão convergir os saberes culturais e de exposição dos seus produtos. Concluir essa rede na próxima legislatura, será o grande imperativo político para que se tenha mais leitores, novos públicos consumidores de cultura e que esse acto estruturante represente para o país uma grande valorização do tempo. A ocupação dos tempos livres dos jovens quando dirigida e incentivada gerará, certamente, novos produtos e consolidará os discursos de cidadania. Esse desiderato deverá incluir também o treino das habilidades artísticas e a cultura do silêncio como meio de enriquecimento do nosso potencial espiritual. Acredito que tendo mais espaços, mais jovens entenderão que é importante cultivar o belo.

7- Quais são os projectos e incentivos que a União tem para um futuro próximo?
A gestão de interesses da UEA que terá paridade temporal com o novo ciclo de legislatura, deverá criar um espaço de diplomacia de influência junto do novo parlamento para que a lei das «Bolsas de Criação» seja aprovada e os criadores e pensadores da cultura tenham um compromisso de produção de mais conteúdos. Se numa legislatura podermos atribuir mais de 800 bolsas de criação, Angola terá o seu renascimento espiritual. Outrossim, deve saber contratualizar com o novo Governo para que a sua localização privilegiada em termos imobiliário permita o início de uma parceria «público-privada», no caso associativa, erga no seu espaço um empreendimento cultural e de serviços que orgulhe os seus membros e os cidadãos do país. Temos exemplos no mundo da importância dessas parcerias, faz parte dos bons métodos de governação já que o estado não pode fazer tudo.