quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Reviver a música transcontinental de Luís Morais no disco “Novidade de Mindelo”


João Papelo


Foi em Dakar, nos bailes cabo-verdianos e nos cabarés “Miami Jazz”, “Saloum Rhytgm”, “Calipso” e “Pigalle” que Luís Morais fez a sua estreia nos palcos seduzindo tudo e todos com o seu clarinete e saxofone. Tocava com músicos cabo-verdianos, senegaleses, camaroneses e ganenses, mas era único que dominava a flauta. E consagrou-se na diáspora.

Pouco tempo antes da sua morte, a 25 de Setembro do ano 2002, Luís Morais grava pela Lusáfrica o disco de clarinete, com dez faixas musicais, intitulado “Novidade de Mindelo”. Era talvez um disco simbólico em aceno de despedida, ou o seu tributo à “Mindelo” (onde nos anos 50 o “patriarca da música de Cabo-verde” troca experiências com vocalistas da região, entre eles Amândio Cabral, Djosinha, Titina. Mais tarde o encontro com Cesária Évora dá-se nos estúdios das Rádios de Mindelo), sendo ele natural da Ilha de São Vicente.

A primeira faixa deste CD é que dá título ao disco “Mindelo”, o seu intróito de mestre seduz com delicadeza a quem ouve, logo desde o começo. O encontro dos instrumentos e a sinfonia no ritmo faz-nos divagar com esmero numa paródia telúrica. O seu clarinete, ora melancólico, ora frenético, gera na alma a beleza duma cultura. Apesar da influência do ritmo latino-americano como o merengue e outros que fizeram época no dealbar da carreira de Luís Morais, o seu estilo é inconfundível, a sua música tem uma sonoridade única e bem patente.

No disco “Novidade de Mindelo”, em cada melodia há uma lamentação, em cada lamentação há uma história: a inenarrável expressão de saudade que se anuncia, e ressoa paradoxalmente em tom de despedida, através do som e da sinfonia dos instrumentos ou do casamento da orquestra. A segunda faixa “Stóra mais stóra” é um passeio no roteiro que traduz a imaginação, é como se o clarinete aquecesse. A percussão é branda e perfeitamente acompanhada pelo genial Ademiro Miranda (Miroca) que sabe bater com destreza os tambores, aliando o útil ao agradável.

A terceira faixa “Delicadeza” é uma serenata à vida. Toca suave, terna, acalma o espírito, consola a alma. É um recado sem palavras, sem a predilecção do verbo. Apenas o som. Apenas o sopro. Apenas o clarinete. Mas é na quinta faixa “Cabo-verde de nós” que Luís Morais, na companhia do excelente pianista Fernando Andrade, começa a atingir o clímax. Aqui a música ganha outra dinâmica, outra expressão, outra singularidade. A melodia aqui é bastante envolvente, inebriante e dançante até mesmo.

À venda ainda em algumas casas de disco em Luanda, “Novidade de Mindelo” é um disco de excepcional qualidade a todos os níveis e o seu autor, conhecido internacionalmente, dispensa qualquer tipo de apresentação. Amigo íntimo do seu colega “Bana”, Luís Morais gravou numerosos álbuns instrumentais, mas é sobretudo como o autor de “Boas Festas” que ele é conhecido. “Boas festas” é um arranjo instrumental que ele fez de uma canção tradicional da Ilha de S. Antão. Este arranjo foi bem conseguido que desde então passou a ser a música de excelência para celebrar a passagem do ano entre os cabo-verdianos no mundo inteiro. A inesperada morte deste ícone e patriarca da música de Cabo-verde deixou um problema de difícil resolução. A culminar a sua longa e brilhante carreira, Luís Morais empenhava-se agora na formação de jovens capazes de dar continuidade à música tradicional de Cabo-verde.


Papelo.folha8@gmail

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