Na breve (e possível) entrevista que se segue, feita através da troca de vários e-mails, Manuel Rui fala das circunstâncias em que surgiu o actual Hino Nacional, num clima, afirma ele, "pleno de convicções", apesar da "extrema tensão" e dos bombardeamentos.
Por outro lado, lançando um olhar sobre o tempo transcorrido desde 1975, o escritor afirma que "o desenvolvimento macro nem sempre se inscreve na diminuição da desigualdade, que parece cada vez maior entre ricos e pobres", pelo que, aduz, "há que inventar mudanças que beneficiem a todos". Na breve (e possível) entrevista que se segue, feita através da troca de vários e-mails, Manuel Rui fala das circunstâncias em que surgiu o actual Hino Nacional, num clima, afirma ele, "pleno de convicções", apesar da "extrema tensão" e dos bombardeamentos.
Por outro lado, lançando um olhar sobre o tempo transcorrido desde 1975, o escritor afirma que "o desenvolvimento macro nem sempre se inscreve na diminuição da desigualdade, que parece cada vez maior entre ricos e pobres", pelo que, aduz, "há que inventar mudanças que beneficiem a todos".
P - Em que circunstância concreta foi criada a letra do Hino Nacional, por muitos considerada uma das mais perenes e bonitas do Mundo?
R - Em circunstâncias de extrema tensão, dadas aos bombardeamentos e à hipótese - em ultima análise e se os blindados entrassem em Luanda - de recorrer-se à guerrilha urbana, mesmo com coktails artesanais; mas, também, num clima pleno de convicções.
P - Como é que Manuel Rui é convidado a escrever o Hino?
R - ...A estória (e a história) é que houve um concurso com aquelas regras todas, dos envelopes com os pseudónimos, etc. O concurso foi dirigido pela Dra. Paulette Lopes, que vocês deviam ouvir, e outras que funcionavam no Ministério da Informação. Levadas as cassetes ao Comité Central alargado, foi escolhido um hino que seria da autoria de um jovem. Mas, mesmo assim e sob reserva, logo se decidiu que Rui Mingas e eu fizéssemos outro. No entanto, ocorreu que tivera havido uma troca involuntária de envelopes e o tal hino era de autoria de duas pessoas consideradas pessoas não-gratas, ex-colaboradores disso ou daquilo. Eu havia saído do Huambo para estudar em Portugal e mal conhecia Luanda e suas makas. Então, deixou-se de pensar em alternativa, mas numa necessidade imediata de Rui Mingas e eu fazermos o hino.
P - Quem os convidou?
R - Bem, não foi um convite, foi o cumprimento de uma decisão.
P - É verdade que a criação literária, para ser feliz (conseguida), deve nutrir-se de circunstâncias de crise?
R - Nem sempre. Tudo depende do empenho, do talento e do estado de espírito.
P - Qual é o seu sentimento, hoje, em relação ao Hino Nacional, quando o ouve ou canta?
R - De algo que não me pertence, principalmente quando é cantado no basquete e no futebol e a selecção ganha. Choro de alegria.
P - Hipoteticamente, se ainda não tivesse escrito o Hino em 1975, e o convidassem hoje, em 2007, para escrevê-lo, consideraria a possibilidade de o fazer?
R - Talvez não.
P - Eventualmente provocatório: alguma vez pensou em pedir direitos de autor pelo Hino Nacional?
R - Não, nem às enciclopédias que o publicam em Cd-roms. Essas coisas não se pedem. Recebemo-las, quando nos dão. É como os carros e casas que, de vez em quando, aqui se oferecem... A mim, nem um farolim nem um tijolo.
P - O que lhe vem à memória, quando se lembra do momento exacto da Proclamação da Independência, no Largo 1º de Maio?
R - Um rol de ingenuidades que nos fez sonhar e valeu a pena, apesar dos pesares.
P - A escrita de Manuel Rui é considerada um dos paradigmas da angolanidade literária. Acredita que os 32 anos de independência tornaram os angolanos mais angolanos?
R - Acho que só há angolanos angolanos e a questão da identidade é uma questão de cada pessoa. Cada um é quem sabe porque é que se sente angolano.
P - O crescimento económico; as amplas perspectivas de reconstrução nacional e de desenvolvimento económico; a avalanche de investimento estrangeiro, e não só, colocam Angola diante da oportunidade histórica de dar um conteúdo económico e social à independência, ou colocam-na diante do risco de perder-se no dinamismo da globalização?
R - O desenvolvimento macro nem sempre se inscreve na diminuição da desigualdade, que parece cada vez maior entre ricos e pobres. Há que inventar mudanças que beneficiem a todos. E, também, a globalização é um novo perigo, como um pacote de dogmas que não se conhece, mas se apregoa... Foi assim com o socialismo científico.
P - Que pressupostos teria essa "invenção" de mudanças? Acha que as soluções teóricas (doutrinárias) actualmente existentes não resolvem o problema da desigualdade social? Há que ter a ousadia de "inventar" novas utopias?
R - Claro que não resolvem. E o problema não é inventar novas utopias. As utopias nunca foram inventadas, como a penicilina ou a pólvora, mas foram e continuam a ser intoleráveis, como a não-permissividade do sonho de Júlio Verne ou do sonho lunar. E, quando colocadas em prática, nas revoluções vitoriosas, não as deixam florir ou, de repente, pela mão e voz dos seus autores, se transformam em novas tiranias, por cristalização do poder que não aceita a mudança e impede o pensamento, negando aquilo por que se lutou - que é a constante mudança -, sendo certo que, na sociedade, não mudar é morrer... E foi isso, mais ou menos, que aconteceu com o comunismo que andávamos a copiar, com "maus tradutores". Sempre hão-de aparecer novas teorias para resolver a desigualdade social. O capitalismo, mesmo travestido de neo-liberalismo - que entra no circo com o "pseudónimo" de globalização - parece-me, pela sua origem e postura actual, que só fica bem na fotografia, para se eternizar, como aquele que quer matar a pobreza que criou - inventor das grandes invasões a países pobres e da definição do outro como ser naturalmente escravizado - e definir-se como branco, só depois de encontrar o negro... já com a "amnistia" das bombas atómicas e outras malfeitorias, sempre com a Bíblia e a guerra santa contra os infiés. Vão aparecer pensadores, o mundo vai mudar e coisas vão cair... Já houve coisas que caíram, até sem aparente sentido de legitimidade humana, e que nunca ninguém poderia imaginar.
P - Quanto à globalização, ela é incontornável... Quem não se adaptar a ela e procurar tirar proveito, corre o risco de ser marginalizado... Quer comentar?
R - Não comento. Acho que abordei isso, quando você me fez a pergunta anterior. Mas, é certo que a globalização é, acima de tudo, excludente.
P - Qual é a sua visão dos 32 anos de literatura angolana?
R - Fica difícil responder a isso, que se reporta só à produção literária pós-independência, quando até a "Sagrada" de Agostinho Neto é anterior, assim como outras obras, desde muito lá para trás. Esta matéria é mais para os críticos e académicos. Espero que, do Congresso do Rio de Janeiro - a partir do próximo dia vinte-, em que deverei estar presente, os críticos e académicos possam apresentar e discutir novidades.
P - Nesta fase do pós-guerra, de reconstrução do tecido económico e social do país e de consolidação da democracia, que papel joga, ou deveria jogar, a literatura?
R - A literatura não joga, nem deverá jogar, isto é, não deve, nem deverá ser um instrumento. Claro que, no passado, ela esteve directa e intrinsecamente ligada à luta de libertação nacional. Neste momento, a literatura é, essencialmente, a arte da palavra escrita, sendo certo que anda alijada... porque vende mais a revista "Playboy" do que um prémio Nobel. E eu paro de ler um livro para ver um bom jogo de futebol. Aqui, iríamos entrar num dos chavões das democracias ocidentais, que é o das maiorias, mas não quero ir por aí, porque as maiorias estiveram nos inícios e a favor de muitos bandidos...e de Hitler e Salazar... Então, a maioria das pessoas serão imbecis ou haverá elites estúpidas que ditam o que é bom e o que é mau, será? Mas e aliás, a sua pergunta está cheia de vírus, a saber: pós-guerra - andam a comprar mais armamento -, reconstrução do tecido económico e social do país. Onde é que anda a Textang, a consolidação da democracia? Como é que vamos de betão armado... bem, e papel higiénico?
P - O novo momento político, social e económico, que se vive em Angola, estimula-o, particularmente no capítulo da criatividade literária?
R - Escrevo por mim e você não disse qual é o novo momento.
Fonte:http://www.ueangola.com