Professor do interior de São Paulo dá um exemplo de cidadania e criatividade. Marcos Onofre de Souza, professor de história, em Campinas/ SP, promoveu a troca de correspondências entre os alunos de dois colégios – um público e outro particular – nos quais leciona. Com isso, os estudantes compartilharam experiências, sonhos e discutiram questões sociais.
De um lado da Via Anhangüera (Rodovia que liga a capital paulista à cidades do interior do Estado, como Campinas/SP), meninos e meninas escolhem seus presentes de final de ano, têm uma rotina cheia de atividades, idas ao shopping e vivem atrás de grades e muros, na tentativa de garantir a segurança. A escola é bem cuidada e atos de violência só são conhecidos pelos jornais, como se fossem uma realidade distante. Mas, a poucos quilômetros, do outro lado da rodovia, crianças da mesma faixa etária se divertem como podem, correm pelas ruas, convivem com o crime. Roupas de grife e brinquedos caros só são conhecidos pela televisão. Alguns desconhecem até os shoppings. A partir de um trabalho desenvolvido pelo professor de história Marcos Onofre de Souza, essas realidades se aproximaram. Como dá aulas em duas escolas, uma particular e outra pública, ambas nas proximidades da Avenida John Boyd Dunlop, ele promoveu a troca de correspondência entre os dois colégios. Com isso, vivências dos dois lados da Anhangüera foram compartilhadas e os abismos sociais discutidos.
Gabriela Borges, de 13 anos, estuda no Colégio Provectum, no Jardim Miranda. Mora com os pais num condomínio fechado e a única referência à periferia que tinha até receber a carta de Emanuel Douglas Lima de Souza, de 12, vinha das novelas de televisão. O garoto é estudante da Escola Estadual Carlos Alberto Galhiego, no Campo Grande. Ambos são alunos do professor Marcos e se conheceram por meio das cartas. Quando recebeu a correspondência, Gabriela se emocionou. “Ele vive numa região “super pobre”, sem nenhuma estrutura, mas mesmo assim mantém um sonho”, conta a garota. Emanuel diz na carta que pretende ser piloto de avião e, principalmente, ter uma vida honesta. “Achei diferente dos sonhos da maioria das crianças que eu conheço. As pessoas com quem eu convivo sonham com tantas coisas, mas ninguém pensa nesses detalhes, que são tão importantes.”
Como Emanuel foi o primeiro a escrever, esperou pela resposta ansioso. “Nunca pensei que alguém como ela, rica, pudesse se comunicar comigo. Como a carta demorou para chegar, achei que ela nem ia falar com os pobres. Agora, mais do que antes, quero crescer e trabalhar muito para poder dar aos meus filhos uma vida como a dela”, planeja o garoto, que nunca foi a um shopping.
O projeto do professor Marcos envolveu 86 alunos de cada escola. Da pública, participaram estudantes das 6, 7 e 8 séries. Da particular, da 7. “Para os alunos do Campo Grande, é como se, do outro lado da Anhangüera, fosse outra cidade”, comenta o educador. Segundo ele, a possibilidade de trabalhar com valores humanos e éticos foi o grande ganho. “Os alunos do ensino público melhoram a auto-estima e aqueles que pagam para estudar aprendem a valorizar o que têm”, afirma.
ConteúdoMas a relação com o conteúdo da disciplina também não foi descartada. “As cartas são a mais antiga forma de comunicação utilizada pelo homem e as pessoas estão perdendo esse hábito. Muitos conversam com gente do mundo inteiro pela internet, mas desconhecem os próprios vizinhos”, diz o professor. De início, Marcos encontrou algumas resistências dos alunos para desenvolver o trabalho, que ocupou algumas aulas do mês de novembro. “Principalmente no colégio particular, eles me pediam para passar o Orkut (site de relacionamento na internet) para que pudessem mandar mensagens, em vez de escrever a carta. Mas, quando descobriram o prazer de receber a correspondência, aprovaram o projeto.”
O desejo de uma escola mais bonita também está nas correspondências. Andreza Cristina da Silva, de 12 anos, aluna do colégio público, sonha em ter um ambiente que lhe dê mais prazer em estudar. “A gente conseguiria ter uma sala de aula mais agradável e mais limpa se as pessoas cuidassem, não destruíssem tudo”, escreveu ela, apontando para as pichações que se espalham por todo o prédio, inclusive pela classe, onde até a lousa já se tornou alvo do vandalismo.
Com especialização em tecnologia da informação, o professor também tinha como objetivo aumentar a prática da leitura e da escrita entre seus alunos. “Essa é uma necessidade atual da educação. Os estudantes, sejam de escola pública ou particular, têm dificuldade para ler e escrever.
As cartas, como prescindem uma resposta, estimulam a curiosidade, o que por sua vez, é um incentivo à leitura e à escrita”, explica. Avaliando o trabalho, que pretende continuar em 2008, Marcos acredita que os maiores objetivos serão conquistados em longo prazo. “A educação, como um todo, não tem um resultado imediato. Por enquanto, valeu pelo estímulo e o interesse nas aulas. No futuro, tenho certeza de que teremos reflexos positivos. Essas atividades estão diretamente ligadas à construção da cidadania.”
Mensagens já eram comuns no antigo EgitoAs cartas são consideradas o meio de comunicação mais antigo do mundo. Não se sabe ao certo quando elas surgiram, mas os reis do antigo Oriente Médio já escreviam cartas. Por ser também um dos registros mais antigos, alguns estudiosos apontam, inclusive, que a carta é a mãe de todos os gêneros textuais, ao lado dos mitos e contos populares. Já no Egito, mais de 4 mil anos antes da Era Cristã, já existiam os sigmanacis, mensageiros que levavam recados escritos a pé ou montados em cavalos e camelos. Entre os livros que formam a Bíblia, estão publicadas 21 cartas, escritas por Paulo e outros seguidores de Cristo, direcionadas a povos como os romanos e os habitantes da cidade de Corinto, na Grécia Antiga.
Ainda na Antiguidade, a Grécia começou a utilizar os pombos-correio para entregar as correspondências. A ave tem a aparência muito parecida com a do pombo comum, mas a espécie possui grande capacidade de orientação e é descendente do pombo Columba livia, habitante do Litoral europeu. Essa espécie tem a peculiaridade de sempre retornar ao local onde nasceu. Assim, até o final da Idade Moderna, era hábito criar os pombos e depois trocá-los entre os conhecidos.
No Brasil, as cartas chegaram junto com os primeiros portugueses. Assim que a esquadra de Cabral aportou, Pero Vaz de Caminha enviou uma correspondência ao rei, comunicando o descobrimento das novas terras. O escrito foi levado a Portugal por um dos navios, que retornou dez dias depois. Em 25 de janeiro de 1663, o rei de Portugal nomeou João Cavalheiro Cardozo como “correio” — o responsável por enviar informações da Colônia. O primeiro serviço postal semelhante ao que conhecemos hoje, com pagamento de selos para o envio da correspondência, surgiu na Inglaterra em 1840. O Brasil foi o segundo país do mundo a utilizar o selo, em 1843.
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