sábado, 23 de maio de 2009

O ficcionista

13/4/2009
Em um apartamento simples do Campo Grande, uma das regiões mais carentes de Campinas, Jordan Henrique Martins Benevides dedica a maior parte do tempo livre à escrita. Com apenas 13 anos, o aluno da 8ª série de uma escola estadual deixa de lado brincadeiras típicas da sua idade, como jogar bola ou videogame, para escrever livros. Nos últimos quatro anos, foram doze obras, todas escritas à mão.

A paixão pelos livros teve início quando O Escritor – é assim que ele é conhecido no bairro e na escola – decidiu melhorar a caligrafia. Com cadernos simples de brochura, o garoto aprimorou não só a escrita como o português, e o dicionário virou seu melhor amigo. “Precisava mudar a minha letra, era muito feia. Os professores reclamavam. Aí, junto com a vontade de mudar a letra, veio a de escrever histórias. São todas histórias de ficção, inspiradas em livros e filmes, que misturo com a minha imaginação. O dicionário eu uso para encontrar palavras novas”, explica.

O primeiro livro, A Batalha entre o Céu e o Inferno, teve como inspiração o filme Final Fantasy, e depois ganhou uma trilogia, como a história do Senhor dos Anéis, a preferida do garoto. A devoção pela leitura, contudo, vai além das obras de ficção e Benevides gosta de contos, crônicas e poesias, e já leu obras de Shakespeare. “As novelas também me ajudam bastante. De lá tiro a estrutura para as falas. As que eu mais gosto foram escritas pelo Manoel Carlos”, diz.

Nem as adversidades desanimam o pequeno escritor de seguir aquela que acredita ser a sua vocação. A escola ou o bairro, por exemplo, não possuem bibliotecas e seus pais nunca foram dedicados à leitura. “A minha leitura sempre foi precária. Quando ele começou a escrever, achei que não duraria muito. A mãe também não sentiu firmeza. Depois, vimos que ele só queria escrever e deixava de ir brincar com as outras crianças para ficar no quarto. É um orgulho muito grande e agora faço questão de incentivá-lo a continuar a escrever”, diz o pai, Jeferson Rocha Benevides, de 36 anos, que ganha a vida com a entrega de galões d’água e uma barraquinha de cachorro-quente.

A mãe, Gisele Martins da Silva, de 35, terminou o segundo grau em 2007, após um curso supletivo. “Não sabemos ao certo de onde saiu esse gosto. É realmente surpreendente. Agora, pelo menos ele está dosando o tempo de escrita com outras brincadeiras. Já estava ficando preocupada, pois ele ficava durante todo o tempo escrevendo”, comenta.

O espaço para a escrita também é restrito. Sem uma mesa para escrever, Jordan produziu as obras deitado em sua cama. Somente agora, com a compra de um computador, é que o garoto começou a escrever em um local mais apropriado. “Já reescrevi um livro e farei o mesmo com os demais. Irei escrever os novos direto nele, pois é mais fácil para corrigir. Além disso, farei mais de uma cópia, para entregar para quem se interesse”, diz.

Outro motivo que deixa o garoto mais à vontade em escrever no computador é não correr o risco de ficar sem uma das suas obras, como ocorreu há dois anos, quando um professor pegou um dos livros para indicar a uma editora. O livro só voltou às mãos do autor um ano depois, com uma carta de desculpas. “Fiquei desesperado. Achei que nunca mais teria o livro. Ele me pediu desculpas, disse que mudou de cidade. Falou ainda que não conseguiu uma editora que o publicasse, mas que eu tinha potencial e não deveria desanimar”, diz Jordan.

Apesar da mágoa que ainda guarda do professor, um de seus conselhos ele resolveu seguir à risca: retirar dos textos partes muito sangrentas. “Tinha umas partes que ele pegava pesado mesmo. Também conversei com ele e agora os textos estão melhores”, completa o pai.

Se ainda se sente desconfortável para falar sobre o ex-professor, o sentimento é completamente inverso quando o escritor fala de Ubirajara Dias de Andrade, ex-diretor da Escola Estadual Carlos Alberto Galhiego. Graças a ele, Jordan foi convidado em março para conhecer a Academia Campinense de Letras (ACL) e os escritores que ocupam suas cadeiras. “Foi muito legal. Tive a oportunidade de fazer contatos e trocar experiências com outros escritores. Ele (Ubirajara) me pediu cópias dos livros. Tomara que ele consiga algo”, diz.

O ex-diretor, que tem como formação a Física, diz que ficou impressionado quando realizou um trabalho de incentivo à escrita, em outubro de 2007. “Imagine você pedir que os alunos façam uma redação e de repente alguém aparece com um livro de quase 200 páginas? A partir daquele dia vi que existia um diamante a ser lapidado. O Jordan virou o meu xodó e não desgrudo mais dele, mesmo tendo trocado de escola. Em 30 anos na educação vi gente com muito talento, mas ninguém com esta idade. Faço questão de ver uma obra sua publicada. O talento ele já tem, só precisa ser modelado”, diz Andrade.

No condomínio em que mora, quem admira o escritor são os colegas, que agora têm como um dos passatempos preferidos brincar como o super-herói Homem Diamante, livro de Jordan que faz mais sucesso entre a garotada. A popularidade é tanta que novos escritores já se formam no condomínio e há troca entre os livros.

Para seguir como escritor, o menino decidiu que pretende cursar uma faculdade de Letras quando terminar o colegial. Nutre o sonho de ver alguma de suas obras colocadas à venda nas livrarias antes. “Quem lê sempre fala que vai tentar algo para mim. Até agora não aconteceu nada, mas não posso desanimar. Adoro o que faço e acredito que um dia serei recompensado.”
Bernardo Medeiros

*Fonte: Revista Carta Capital Ano XV, nº540
Fonte: Aletria

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