terça-feira, 14 de setembro de 2010

Resgate Histórico Heroína Afro-descendente


Evento da independência lança

livro sobre heroína excluída


Maria Felipa de Oliveira, dada pela história oficial como uma heroína fictícia, nas lutas pela independência da Bahia, deixa de ser uma personagem lendária para ser uma revolucionária de fato no livro da interpretadora do patrimônio histórico cultural Eny Kleyde Vasconcelos Farias. Intitulado Maria Felipa de Oliveira Heroína da Independência da Bahia, a publicação será lançada no próximo dia 18, a partir das 17 horas, na Biblioteca Juracy Magalhães Junior, na Ilha de Itaparica, durante o evento de Celebração da Independência.


Dezesseis municípios do Recôncavo, envolvidos nas lutas pela libertação do Brasil do jugo de Portugal, estarão participando da solenidade, representados por seus gestores e bandeiras de cada cidade. Nessa ocasião será empossada a nova diretoria da Associação Maria Felipa.


Após vários anos de pesquisa, buscando documentação em arquivos públicos de Salvador e de antigas instituições religiosas do Recôncavo, Eny Kleyde assumiu o polêmico desafio de colocar na galeria dos heróis da Independência da Bahia a personagem tema do seu livro, contrariando opiniões de historiadores que seguem à risca regras da ciência para que algo investigado esteja devidamente documentado, avaliado e sacramentado pelos cânones acadêmicos.


Suporte teórico e científico

Interpretadora do Patrimônio Histórico e Cultural, Eny Vasconcelos sustentou seu trabalho em vários teóricos como José Newton Meneses, Peter Burke, Michel Maffesoli, Michael Halbwachs, dentre tantos outros, num total de 53 autores que tratam sobre história, interpretação histórica a partir da memória coletiva. Dentre outras referências de estudiosos, cientistas sociais, pesquisadores e analistas das ações e reações da coletividade, incluiu Antonio Gramsci, Carl Gustav Jung, Gilbert Duran e Pierre Chanu.

Observa-se em todo o desenvolvimento do livro, que a autora de Maria Felipa a heroína de Independência da Bahia não incursionou numa ficção literária e teve a responsabilidade, como sempre reafirma, de não engabelar seus leitores, pois considera tal ato uma desonestidade intelectual de lesa saber e lesa informação, em prejuízo das verdades históricas, daí agir com muitos cuidados.

E foram tantos esses cuidados, que a pesquisa se estendeu ao Instituto de Criminalística Afrânio Peixoto. E foi esse instituto que supôs que Maria Felipa é descendente de sudaneses, a partir do retrato falado desenhado, sendo a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo – Irmandade dos Homens Pretos, colaboradora na construção científica do busto da heroína.

Eny Cleyde se respaldou na Micro História, que tem como representantes Carlo Ginsburg, Giovanni Levi e Eduardo Grendi, cujas teorias permitem a microanálise social dos esquecidos e anônimos, sem perder a perspectiva do mais amplo e assim se escreverem ações políticas, processos econômicos, vidas que se ligam para além do local.

No esteio das teorias, a autora de Maria Felipa buscou amparo em Alfredo Brosi que, num prefácio de livro, afirma que “desde a implantação da cultura letrada no Brasil, ficaram abaixo do limiar da escrita, quase todos os conceitos da vida indígena, da vida escrava, da vida proletária”, enfim, dos que ficam à margem da sociedade organizada, cujas “mãos não puderam contar, no código erudito, a sua própria história.”

Eny segue ainda a linha de pensamento de Peter Burke, em A crítica da história: novas perspectivas, que aponta o preconceito de cor, credo, classe ou sexo, por mais que se evite, como obstáculos que impedem que “nossas mentes não reflitam diretamente a realidade.”

E assim bem estribada, a intérprete do patrimônio cultural e histórico foi a campo ouvir dezenas de antigos griôs do recôncavo. Checou as informações, elucidou inúmeras dúvidas e se convenceu que Maria Felipa foi uma figura real, consagrada popularmente nos contos que a colocam como uma guerreira incomum, quase uma entidade, revelada nas lutas contra o poder monárquico de Portugal, como descreve em seu registro literário.

“Tanto como as heroínas sóror Joana Angélica e a soldado do Batalhão dos Periquitos, Maria Quitéria, estas oficialmente consagradas, a heroína popular Maria Felipa merece ter o nome na história”, defende a autora. E se mostra bastante segura e satisfeita com o trabalho de resgate empreendido em suas pesquisas, na contramão dos céticos que minimizam o papel da guerreira itaparicana, ou negam a sua existência.

Da exclusão à inclusão

Maria Felipa de Oliveira Heroína da Independência da Bahia é o primeiro livro que trata das lutas heróicas de uma mulher negra, pobre e pescadora, nos campos de batalha da Ilha de Itaparica, “esquecida pela história em 187 anos. Não foi lembrada pela maioria dos historiadores, nem consta nos livros didáticos, nem, até o ano de 2007, muito menos nas comemorações do Dois de Julho, em Salvador,” protesta Eny, relacionando esse fato com a importância histórica da data magna da Independência do Brasil, “pois nela se consolidou em 1823 a Independência, proclamada em 7 de Setembro de 1822,” ressalta.

O longo silêncio de quase dois séculos de exclusão de Maria Felipa nos relatos históricos oficiais deixa a patrimonialista histórica e cultural bastante indignada. “Há um descaso pelo valor da sua consciência política e das lutas travadas no Recôncavo, entre 1821, 1822 e 1823, em defesa da pátria. Tenta-se apagar sua liderança na Campanha da Independência, na qual foi voluntária” protesta,

Além de enaltecer a bravura de Maria Felipa, Eny Kleyde advoga outros créditos para ela, com base nos depoimentos que falam dela como trabalhadora braçal, gerenciando a economia de subsistência para a comunidade que liderava, em Itaparica. Conforme escreveu, dezenas de mulheres viveram no seu comando, tanto na atividade da pesca; como desviscerando, assando e transportando baleias pelo Rio Paraguaçu. A guerreira de Itaparica, de acordo com registro da autora, mantinha vigília por toda a costa da Ilha, comandando batalhão de homens e mulheres.”

Na memória coletiva

Cita Kleyde em um dos capítulos do seu livro, que Maria Felipa, com a mesma disposição com que lutava nos campos de batalha de Ponta das Baleias, Mocambo, Amoreiras e Porto dos Santos ajudava a socorrer os feridos. “Após o primeiro ataque à Ilha, em julho de 1822, ela e suas companheiras de trabalho e guerra cuidavam dos feridos na enfermaria, construída por Barros Galvão em Amoreiras,” relata, com base nos depoimentos de populares mais antigos do Recôncavo.

O livro narra também atos de extrema ousadia da heroína. Um deles foi o incêndio de várias embarcações portuguesas, ancoradas na Ilha de Itaparica. Outro, o ataque empreendido contra os inimigos com armas ecológicas improvisadas, principalmente surrando-os com folhas de espinhos-cansanção,

“o que os impedia de usar armas convencionais para contra atacar a Ilha de Itaparica,” de acordo com as falas de griôs, gravadas por Eny.

Por fim, na defesa pelo reconhecimento histórico de Maria Felipa de Oliveira, a autora diz em seus escritos, “que apesar do apagamento oficial da heroína, e a negação dos seus gestos humanitários e heróicos, sua lembrança mantem-se viva na memória coletiva dos insulanos, de geração a geração.” E relaciona como dos contribuintes para esta memória, o historiador Ubaldo Osório, avô do escritor João Ubaldo, na obra A Ilha de Itaparica, e Xavier Marques, autor do romance histórico O Sargento Pedro.

A mulher negra na história

Maria Felipa, assim como as suas congêneres negras, Chica da Silva, Anastácia e Luíza Mahim, aparecem nas histórias de ficção, como mulheres excêntricas, quando não, prostitutas, mas nunca como personagens históricas, reconhecidas e laureadas pelo rigor acadêmico, sendo resgatadas pelo movimento negro brasileiro ou por estudiosos sensíveis à questão racial.

A bola da vez é Maria Felipa, que tem encontrado guardiãs de sua memória, para tirá-la do anonimato e colocá-la no panteon dos heróis das lutas pela independência do Brasil e da Bahia. Depois de resgatada, enfrenta agora uma outra luta pós mortem, na pele de uma pesquisadora e intérprete do patrimônio cultural e histórico, Eny Kleyde Vasconcelos Farias, que batalha o seu reconhecimento histórico.

Eny incorporou o desejo reprimido dos ancestrais negros da heroína, na faixa entre 80 e 100 anos, que moram na comunidade da Ilha de Itaparica. Eles e dezenas de outros itaparicanos antigos, negros e caboclos, referendaram e assinaram cessões de seus depoimentos para que o livro sobre a sua ancestral tivesse credibilidade.

Evanice Santos – Jornalista SRTE-BA 675

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Setembro/2010

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